Entressafra de versos

Anda me faltando a imaginação

Será uma ausência de gostar

De querer ou amar

Ou é somente solidão?

Como pão para quem tem fome

Ou água para o sedento

Como isso acontece, porque some

E agora me vem como um lamento?

Será uma entressafra dos versos meus

Esse abandono da inspiração

Valha-me Deus

Que isso seja apenas um descuido da minha emoção.

Nessa luta incessante e que me coça a mão

Que não me falte o apetite nem o paladar

E que eu passe noite e dia a sonhar

E que em todas as manhãs eu possa lhe escrever a mais bela canção.

Paulo Fernandes

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Ausência

Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

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Tulipas

Tulipas
Siraj Bagh, o maior parque de tulipas do mundo, reúne cerca de 350 mil flores em Srinagar, que fica na Caxemira indiana

MÃOS DADAS

Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da
janela,
não distribuirei entorpecentes ou carta de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,
a vida presente.

Espera

Espera


Voei,
amei,
conquistei um céu
E nestes ares,
exalo uns amores
Vou e volto nas latitudes
da minha espinha dorsal
Se não vou a todos lugares,
nem ouço teus rumores
À tua espera, mudo;
No banco da praça, com meu jornal,
eu espero que o mundo se resolva, sobretudo
nos braços da juventude

Paulo Fernandes

POMETO ERÓTICO


Manuel Bandeira

Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa...flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes''

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...

Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Augusto dos Anjos

Vandalismo


Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.


Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.


Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!